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A reunião do Fórum das Sociedades Científicas Afiliadas à SBPC aconteceu no dia 11 de março de 2020 e contou com a participação de representantes de 73 entidades científicas, além das presenças do presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Sr. João Luiz Filgueiras de Azevedo, do presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Sr. Benedito Guimarães Aguiar, e do diretor da Diretoria Administrativa da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), Sr. André Luiz de Godoy.

O objetivo central da reunião foi traçar a agenda de mobilização das entidades, em associação à SBPC, para o enfrentamento não só dos cortes orçamentários das universidades, mas também para o fortalecimento e resistência do fazer científico no Brasil.

A apresentação do presidente do CNPq foi muito esclarecedora e objetiva: o planejamento orçamentário da agência para 2020 demanda R$ 1.410.987.101,00 (dos quais R$ 1.055.227.101,00 são em bolsas). O orçamento, conforme a Lei Orçamentária Anual de 2020 (e ainda passível de contingenciamento), é de R$ 1.106.620.000,00. A conta não fecha.

Diante desse quadro, provavelmente em setembro teremos o mesmo drama vivido o ano passado, ou, como disse o presidente, se não houver recursos, o órgão pode “dar calote” na comunidade acadêmica.

Universal em 2020 é possibilidade remota, dada a dotação orçamentária (lembrando que o pagamento das bolsas do ano passado só foi possível porque R$ 82 milhões destinados para pesquisa foram remanejados para custeio, e esse ano não há essa margem de manobra). O modelo de financiamento do CNPq tem como foco a pesquisa, e é esse o princípio que rege a mudança na distribuição de bolsas para a pós-graduação, que passará a vigorar ainda este ano.

Os programas de pós-graduação perdem a sua cota fixa de bolsas, que passarão a ser distribuídas por edital, em que concorrem projetos. Segundo ainda o presidente, este modelo se alinha à missão do CNPq, que é fomentar a ciência e os projetos de pesquisa, e não fomentar a qualificação de pessoal, que é missão da CAPES.

No entanto, com a restrição orçamentária, o fomento da ciência também fica ameaçado. A política do CNPq continuará a ser a de financiar áreas prioritárias, com foco na inovação e a interação com o mercado. O presidente da Capes troca a terminologia “estratégicas” para “prioritárias”. A China, disse ele, tem apenas cinco áreas prioritárias. Em um cenário de poucos recursos, segundo o presidente da Capes, alguns precisam abrir mão da sua pesquisa para possibilitar o fomento daquelas que atenderão o maior número de beneficiados, que terão aplicação, aquelas que apresentarão solução aos grandes problemas nacionais. O orçamento também é de cortes, embora o presidente da Capes não tenha detalhado qual a magnitude, nem em que áreas. Segundo ele, dá para fazer mais com o mesmo dinheiro, mas não com menos dinheiro.

É por esta lógica que o modelo de reequilíbrio e distribuição de bolsas para a pós-graduação com base no mérito e na assimetria regional está sendo implementado.

Por conta do mérito, o corte linear de 30% na cota de bolsas de todos os programas de pós-graduação será reconsiderado nos programas de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX). O mérito, medido pela nota de avaliação do curso, é prerrogativa para a distribuição das cotas aos programas: um programa nota 7 recebe mais bolsas que um programa nota 6, que, por sua vez, recebe mais que um programa nota 5, que recebe mais que um programa nota 4, que recebe mais que um programa nota 3. Outra avaliação de mérito nesse modelo é a titulação: a razão entre o número de titulados do programa pela média de titulação da área (ou dos colégios) é um fator para a correção de assimetrias. Programas eficazes serão menos prejudicados. E o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH da cidade onde está o curso também é fator de correção: cursos em regiões desenvolvidas não serão prejudicados, mas cursos em regiões com IDH abaixo da média serão bonificados.

A avaliação dos cursos também terá como foco o papel dos programas na solução dos grandes problemas brasileiros, reconhecendo, no entanto, as vocações. Há programas com vocação para o impacto e nucleação regional, outros para a produção científica (ciência básica) e outros para atuação no contexto educacional. Todos, no entanto, precisam se alinhar às demandas da inovação e à busca de parcerias com o mercado.

O diretor da FINEP apresentou a situação atual da agência, reestruturada e saneada, com caixa para voltar a investir na ciência básica (pelo menos na manutenção de equipamentos). O ciclo pesquisa básica -> pesquisa aplicada -> inovação é o ciclo fomentado pela FINEP, mas, no momento, o foco prioritário tem sido a pesquisa aplicada e a inovação.

 

Panorama institucional apresentado

Vamos aos pontos que nos afetam:

Inovação e áreas prioritárias/estratégicas são dois termos-chaves para a sobrevivência da ciência. Não há espaço de fomento para a pesquisa básica, aquela em que o cientista pesquisa o que ele quiser para tornar a humanidade “mais sábia”.

Inovação é um conceito sempre entendido pelas agências de fomento pelo olhar do mercado e da tecnologia. E áreas estratégicas ou prioritárias parecem estar em alinhamento às agendas do governo, na ausência de uma política de estado.

Neste cenário, como nós da Linguística ficamos?

A crise global das Humanidades, somada aos ataques à Ciência em geral, com maior ênfase ao ataque às Humanidades no Brasil, que se manifesta explicitamente na portaria que contingenciou de maneira mais expressiva as bolsas de programas de Pós-Graduação do colégio das Humanidades, ao qual a área de Linguística está vinculada na CAPES, nos demanda uma agenda para a sobrevivência!

O que a área entende como inovação e como o que fazemos pode ser enquadrado como inovação nos termos das agências de fomento? Onde está nosso lobby para nos sobressairmos em áreas estratégicas?

Enfrentamos muitos problemas, dois deles na minha visão e em alinhamento ao que observei das demais instituições afiliadas à SBPC, são mais prementes:

  • A população não sabe o que fazemos, ou seja, há um problema de divulgação científica ou de comunicação pública da ciência;
  • A nossa tecnologia desenvolvida não é incorporada pelo estado.

Em relação à comunicação científica, as ações para levar ao grande público os resultados do que fazemos precisam ser intensificadas exponencialmente.  Há um grande movimento anti-ciência (criacionistas, terraplanistas, negacionistas da mudança climática, anitivacinas etc.), por conta do vácuo que a ciência, ou melhor, os cientistas deixaram na comunicação de massas. A aproximação com o público precisa acontecer: ações para desmistificar conceitos, desfazer fake news, interagir com o público na linguagem e nas mídias que forem de amplo alcance (podcasts, Youtube, Instagram, Tik Tok etc), enfim pautar nossa pesquisa na grande mídia. Ainda estamos muito longe de alcançar a nossa própria área: a Abralin tem uma revista de divulgação científica, a Roseta, que ainda tem uma taxa de submissão muito baixa, e pouco poder de difusão, medido pelas curtidas e compartilhamentos em redes sociais.

E, em relação ao segundo ponto, a necessidade da incorporação da tecnologia pelo estado, a desarticulação entre o fomento e a inovação, entre a pesquisa básica e aplicada, e a falta de uma agenda de estado para a ciência, levam-nos a situações em que o investimento público, que poderia se pagar com transferência de tecnologia, sucumbe face aos interesses de mercado. Exemplo disso pode ser visto na área de Linguística. Leitura e escrita estão no rol dos grandes problemas brasileiros e a área de Linguística tem sido fomentada para desenvolver pesquisas (básica, aplicada e inovação), mas, no momento de comprar soluções, as redes públicas de ensino preferem parceiras com a Fundação Lemann ou outras. Isso se repete em várias áreas.

Enfrentar esses problemas é um caminho para a pesquisa em Linguística sobreviver: temos que mostrar o que fazemos para nos tornarmos “úteis” e assim conseguirmos nos manter entre as áreas estratégicas. Não é só a ciência básica que está sob ataque; a ciência aplicada também. Ações coordenadas e engajamento da comunidade são essenciais.

Nesse sentido, o papel das associações precisa ser intensificado, não só com “mais uma nota” (mas que junto às outras 50 pressionou o MEC a rever uma portaria por exemplo), mas com ações mais incisivas, de “corpo a corpo”, com a sociedade.

A guerrilha pela ciência precisa ter o engajamento dos linguistas.

O que a Abralin pode fazer?

  • Intensificar as ações de redes sociais (e em diferentes mídias, cada uma com suas especificidades e com seu público-alvo). Se todos os associados curtissem e compartilhassem conteúdo da Abralin, nosso poder de alcance se multiplicaria exponencialmente.
  • Organizar a agenda da área para inovação e prioridades de pesquisa: nesse ponto, temos uma vantagem em relação às outras áreas, pois a linguagem está em tudo. Os editais temáticos não são restritos a uma área; um exemplo dado por um diretor do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI) que também participou da reunião foi de que, em um edital para a área aeroespacial, um projeto da área do comportamento de passageiros em voos longos poderia ser acolhido.
  • Ainda pensando em áreas estratégicas ou prioritárias, a aplicação educacional tem papel expressivo na Linguística. No entanto, o grande consumidor de tecnologia no campo educacional (tecnologias sociais) é o estado, que vive a situação paradoxal de financiar para desenvolver a tecnologia, mas que depois a compra de terceiros. Parcerias para fomento de pesquisa com transferência de tecnologia podem ser estimuladas.

Como podemos fazer? Nos articulando!

Raquel Freitag

Vice-Presidente da Abralin