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COMUNICADO (24/11/2023)

A Abralin vem a público comunicar aos associados e demais interessados a sua ação mais recente, realizada por intermédio da Comissão de Políticas Públicas. Trata-se da tentativa de estabelecer diálogo com parlamentares para propor mudanças no texto do Projeto de Lei nº 6256/2019, que institui a “Política Nacional de Linguagem Simples nos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta” e está prestes a ser votado na Câmara dos Deputados. Com essa ação, a Abralin espera ser ouvida ainda em tempo de que alterações necessárias sejam incorporadas à versão final do PL, cujo texto orginal sofreu grandes distorções ao longo de sua tramitação.

O PL nº 6256/2019 foi mencionado como ponto de atenção durante a mesa redonda “Linguística, Discurso Médico e Discurso Jurídico”, que integrou o XIII Congresso Internacional da Abralin, realizado entre os dias 30 de outubro e 3 de novembro de 2023 na Universidade Federal do Paraná. Comentários preocupantes levaram membros da Comissão de Políticas Públicas da Abralin, coordenada pelo prof. dr. Xoán Lagares, a procurar a Deputada Erika Kokay, autora do projeto, a fim de instaurar diálogo para a oferta de contribuições da Linguística ao texto em discussão na Câmara.

A motivação do grupo foi o entendimento de que o projeto, na forma como se encontra, baseia-se em recomendações genéricas e muitas vezes vinculadas ao senso comum, portanto sem fundamento científico, para estabelecer “o conjunto de técnicas de linguagem simples” que deve ser observado pela administração pública em suas ações de comunicação dirigidas à sociedade. Entre essas recomendações, está a de se evitar o uso da voz passiva e de estruturas intercaladas na frase em qualquer situação, sem que se levem em conta o contexto e o objetivo da comunicação, regra básica tão cara à Pragmática, por exemplo. Outra disposição do texto que preocupa os membros da Comissão e nos parece um retrocesso é a obrigatoriedade de observação estrita do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) nos textos produzidos pelas diferentes instâncias de governo, o que está longe de oferecer qualquer garantia de acessibilidade linguística.

Em reunião realizada no dia 4 de novembro com a Deputada Erika Kokay, fomos solicitados a enviar sugestões ao texto do PL nº 6256/2019, o que foi prontamente atendido pelos membros da Comissão de Políticas Linguísticas da Abralin que participaram da conversa. O grupo trabalhou em uma sugestão de texto que propõe a definição de princípios e diretrizes gerais de uso, pela administração pública, de linguagem simples, clara e acessível, de forma que se abandone a intenção de se definirem critérios fechados, rígidos e muitas vezes aleatórios de uso da língua, que acabam não considerando expressamente as múltiplas situações de comunicação e as necessidades das diferentes comunidades linguísticas, como as de migração e as dos povos originários. A intenção da nossa proposta é evitar que sejam alçadas a lei de abrangência nacional supostas “técnicas” de linguagem simples alardeadas por alguns grupos privados como soluções mágicas e universais para problemas de comunicação entre governo e sociedade sem que tenha havido qualquer debate ou conversa com especialistas e pesquisadores que estudam a linguagem como ciência.

No dia 22 de novembro, o relator do PL nº 6256/2019 no Plenário, deputado Pedro Campos, ofereceu novo parecer em que incorpora duas das sugestões por nós apresentadas: a) incluiu-se dispositivo que torna obrigatório o uso, pelos órgãos públicos, de “linguagem adequada às necessidades da pessoa com deficiência”, observados os requisitos de acessibilidade previstos na Lei nº 13.146/2015; e b) acrescentou-se artigo que recomenda, no caso de comunicação dirigida às comunidades indígenas, a veiculação de versão de texto produzido em suas respectivas línguas.

Assim, embora reconheçamos o acolhimento de duas de nossas sugestões, pelo que agradecemos, deixamos clara a nossa discordância em relação ao teor geral do texto que permanece em tramitação na Câmara dos Deputados. Por essa razão, continuamos à disposição dos parlamentares para o urgente e necessário diálogo que poderá pensar adequadamente as questões linguísticas do nosso país e amadurecer propostas legislativas capazes de contribuir para uma linguagem efetivamente simples, clara e acessível na comunicação entre governo e sociedade.

Para conhecimento dos associados, reproduzimos, na sequência, as sugestões oferecidas pela Comissão de Políticas Públicas ao texto do PL nº 6256/2019. (O texto integral da carta, que contém as sugestões reproduzidas a seguir, pode ser acessado em https://drive.google.com/file/d/1tiR7qd7FYMJ7faCt3p-IWPiRYSAmRC6r/view?usp=sharing

  1. Tendo em vista a variedade de iniciativas institucionais que buscam definir as melhores práticas de linguagem “simples” ou “clara” e o fato de que o processo de adaptação da norma ISO 24495-1:2023 ao português brasileiro e à realidade do país ainda sequer foi concluído, consideramos não ser prudente definir as técnicas de linguagem “simples” descritas no Substitutivo da CTASP como o conjunto de técnicas mais adequado a toda e qualquer ação de comunicação dos órgãos da administração pública direta e indireta dirigida aos cidadãos.
  2. Em substituição à proposta inicial de se instituir uma Política Nacional de Linguagem Simples, consideramos mais adequado propor o estabelecimento de princípios e diretrizes gerais para o uso de linguagem simples, clara e acessível nas ações de comunicação da administração pública dirigidas à população.
  3. Com vistas a harmonizar a proposta com os normativos referentes à acessibilidade, sugerimos recuperar o texto do inciso V do art. 4º do projeto original, que recomenda “usar linguagem adequada às pessoas com deficiência”.
  4. Julgamos importante manter a inclusão da etapa de validação da comunicação junto ao público-alvo, proposta no parecer anterior, por reconhecermos a necessidade de se verificar, para cada audiência, o potencial de compreensibilidade das ações de comunicação.
  5. Tendo em vista a previsão de que os Poderes de cada ente federativo definam diretrizes complementares e formas de operacionalização do disposto na nova norma, avaliamos que seu texto deve deixar clara a possibilidade de que os órgãos e entidades da administração pública elaborem cartilhas e manuais com as melhores práticas a serem aplicadas em razão do seu âmbito de atuação e do seu público-alvo, observadas as diferentes iniciativas institucionais que sistematizam, no Brasil e em outros países, recomendações gerais de uso de linguagem simples, clara e acessível.
  6. Por fim, consideramos importante que o debate de iniciativas legislativas vocacionadas a disciplinar as práticas de comunicação governamental e o uso da língua ou linguagem nesse contexto levem em consideração as pesquisas e as reflexões mais atuais empreendidas por entidades como a Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública), no campo da comunicação em esfera de governo, e a Associação Brasileira de Linguística (Abralin), no campo dos estudos sobre as políticas linguísticas e os direitos linguísticos.”