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Como parte do projeto de divulgação das áreas da Linguística, a ABRALIN entrevista a Profa. Leda Bisol (UFRGS, CNPq)

O que se investiga na área de Fonologia?

Todos os sons linguísticos que se organizam em sistemas, inclusive cliques em dadas línguas, fazem parte do campo de investigação. O objetivo é descrever e explicar a organização de sistemas de sons extraídos dos sons linguísticos universais, que constituem as línguas expressas pela fala do homem em tempo presente.  A esse estudo denomina-se gramática sincrônica, distinguindo-se da gramática histórica do passado por seus objetivos e metodologia. Foi Saussure que, refletindo o seu pensamento e de certos neogramáticos, que consideravam que a gramática histórica, classificada como ciência, já havia chegado a seu auge, lançou novas ideias, expressas em aulas dadas, publicadas em duas obras póstumas, que vieram a constituir os alicerces da gramática sincrônica, a qual foi elaborada como teoria por seus seguidores em diferentes áreas da Linguística. Em fonologia, figuram Trubetzkoy, do Círculo de Praga, com Princípios da Fonologia, e Bloomfield, da Escola Americana, com Linguagem; o primeiro, um dos pesquisadores do Círculo de Praga, Jacobson, Trubetzkoy e Karceviski; o segundo, da Escola Americana, Boas, Sapir, Bloomfield e outros. Vale notar que todos os membros dos dois grupos ofereceram preciosa contribuição e que Jacobson iniciou o estudo sobre aquisição da linguagem.  

Qual a importância dos estudos de fonologia?

A fonologia, como ciência, discute questões que estão fora da comunicação comum entre os seres humanos, filiando-se a ela somente pesquisadores com o intento de descobrir a essência das línguas humanas. É esse estudo estabelecido como teoria por Trubetzkoy (1939) como um estudo de estado de língua, fundamentada em Saussure, que veio a constituir junto à fonêmica americana que surgia ao mesmo tempo, o que hoje se denomina  Fonologia, a primeira área da Linguística a modelar-se como gramática sincrônica, a qual, enriquecendo-se no andar dos tempos, vem apresentando resultados com valores que se estendem à educação e à ciência do desenvolvimento do  cérebro.

Há métodos específicos na pesquisa em fonologia?  

Quanto aos métodos específicos, esses estão relacionados diretamente ao desenvolvimento da teoria fonológica que se estende do estruturalismo ao gerativismo, com métodos específicos concernentes a fase de seu desenvolvimento, como teoria  autossegmental, geometria dos traços e teoria da otimidade. Esses métodos configuram-se, de uma forma ou outra, em todas as áreas da fonologia: fonologia propriamente dita, a exemplo  de zelo e selo, em que  as consoantes /s/e /z/ distinguem palavras,  isto é, são fonemas a serem estudados quanto a sua constituição interna, distribuição de traços e variação; a morfofonologiaque estuda a formação de palavras, a exemplo de forma /formoso; a morfossintaxe que trata da combinação de frases como casa amarela, realizando-se como [kazamarela] e a prosódia, estudo da sílaba, pés métricos e contorno entonacional.

Que habilidades deve-se esperar de um investigador interessado nessa área? 

Primordialmente é necessário saber lidar com o abstrato, capacidade que nem todos têm ou não querem aprender. Fonologia pressupõe abstração, pois   o investigador precisa lidar com traços fonéticos para detectar os traços fonológicos, ou seja, funcionais, que constituem sistemas de língua e estudá-los em todas as suas facetas, fonema, palavra e frase. De modo geral, o abstrato está no cerne da fonologia que tem por objetivo explicar a constituição da fala humana. O caminho a percorrer na investigação é complexo, pode ser mais ou menos complexo, dependendo do objetivo, do modelo escolhido e do grau de abstração, porém, sempre documentado por   dados de fala, sem os quais a análise fonológica não existiria.   

Quais as especificidades da pesquisa em fonologia realizada no Brasil? 

Todas as áreas vêm sendo contempladas, merecendo destaque a variação que se estendeu do norte ao sul do país, favorecida pela organização de grupos de pesquisadores em diferentes universidades com o objetivo de descrever variedades de fala do português brasileiro, nas quais a fonologia sempre esteve presente. Com o fito de descrever o português brasileiro,   organizaram-se projetos na seguinte ordem: Projeto NURC, amostra de dados da fala culta, definida como  fala de indivíduos com curso superior, sediado nas  universidades federais de Recife, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre; CENSO, sediado no Rio de Janeiro que começou com análise de dados do NURC e denominou-se PEUL com  novas amostras do  Rio de Janeiro; Projeto VARSUL, amostra da fala popular sediado nas capitais dos três estados do sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, incluindo PUCRS. Todos aos projetos citados produziram teses, dissertações, artigos e livros. Vale notar que a análise dos dados do NURC sob a coordenação de Ataliba de Castilhos, produziu a Gramática do Português falado publicada em cinco volumes, envolvendo diferentes áreas da Linguística. O CENSO/PILEI sob a coordenação de Anthony Naro introduziu o modelo de análise da regra variável, denominado sociolinguística, proposto por Labov que se estendeu por todo o Brasil, graças a orientações de tese do coordenador. O VARSUL, proposto por Leda Bisol, na linha de Labov, -se por sua organização de eventos anuais que ocorrem sucessivamente nas universidades envolvidas, contando com produções em diferentes áreas da linguística, sobretudo em fonologia. 

Quais os desafios?

Quanto a desafio, toda investigação é um desafio. Todavia, quanto à gramática sincrônica que vem preponderando em nossos dias, o desafio diz respeito à extensão de seu domínio. Diante da história dos estudos de língua que vão da filologia, estudo de língua escrita à Linguística, estudo de linguística histórica no passado e gramática sincrônica no presente, indaga-se até onde a gramática sincrônica estende o seu domínio. É reconhecido como um modelo pronto, disponível para descrever o status de qualquer língua falada em tempo presente, mas em virtude de estar no auge de sua produção, o que pressupõe mudança de fase ou de modelo, indaga-se como avançaria. Todavia há sinais de propostas mais abstratas, em discussão, que ainda não tomaram o devido fôlego de um novo caminho, o que também é um desafio. Outro desafio consiste em desfazer o valor negativo dado a variedades de uma língua. Toda a fala tem variação, cuja prática, muitas vezes, o falante culto ignora na sua própria fala. Variedades que caracterizam a fala de uma região ou de uma classe social a que tem sido   atribuído, muitas vezes, um valor pejorativo, esse deve desaparecer, pois toda variedade social ou geográfica é importante para o conhecimento da essência da linguagem como propriedade natural do ser humano. Nessa labuta, linguista e educador devem andar juntos.